was + will = is

The positions of philosophy of time may be divided in three main waves:

1) Presentists believe that only present is real. Past exists only in present memories and future in present predictions (this is the intuitive feeling, but it is not valid under the theory of relativity).
2) Eternalists believe that all three points in time to exist together (past, present and future. Relativity would be eternalist).
3) Growing block theoreticians believe that only past and present are real.

These sum up the discussions about the ontological status of time (or space-time) in physics. I will not try to add to it here. My concern will be the anthropocentric (maybe extensible to most animals) experience of time. The claim will be that 'present' does not exist (in experience).

The nonexistence of present as a human experience is a perplexing idea because under the commonsensical presentist view present is all there is. Watch out Carpe Dienists!

Let us sum up the facts about our perception to reach the result. In an experiment Eagleman& Sejnowski asked people to press a button to light a light bulb. When the interval between these actions was 80 miliseconds people said the light turned on immediately. When this interval was reduced to 40 miliseconds they said the light turned on before they had pressed the button. This happened because there is an 80 miliseconds delay between what we see and when the brain realizes that we have saw. Therefore, when we 'realize what we see' we are seeing 80 miliseconds in the past. Our 'present' experience is of the past. Past presents itself to our subjective experience.

Although, specially in a more natural context of human survival in the wild habitats this difference in milliseconds may be the difference between life and death. To survive one must anticipate predators. If the eyes perceive (limbic system in the brain) the present but the brain takes milliseconds to figure it out (occiptal lobe), brain would be a disadvantage and we would not have evolved to spend so much energy in using it. The caveat lies in the future. The brain may takes some milliseconds but it is not trying to 'perceive' the present (or past as we saw) but to 'anticipate' the future. Kwon,Tadin & Knill invite us to think about when someone throws a ball and we easily pick it. If we acted in the present it would have been too late to pick it. You have to anticipate its trajectory and move your arms where the ball will be a few milliseconds in advance.

If the crossing of information above makes sense we interpret the future out of the past to act as if we were in the present. The casual steps are due to past and future: I saw X at the position p1 moving in time t1 X will be at p2 at t2. Thus past and future are the building blocks of our present experience and the present for us exists only as a supervenient result. Our experience of the present is just another useful illusion which uses past data and future prediction to compose a 'simultaneous experience' of the world.

In sum

We see 80 milliseconds in the past (Eagleman & Seinowski)
We project it in the future (Kwon, Tadin and Knill)
[For it to be worth we have to procees it accurately 80 + (at least) 1 in the future]
Therefore we use the past to project the future (this is what we call 'present')
[The present is properly present only in the cases where the situation is static for at least 80 + 1 milliseconds in the future, so that what we saw in the past and what we project into the future remain the same.]

The next time someone advices you to enjoy the momentum you can answer that one cannot truly experience the present. You might at most commit yourself to use the past data in a useful way to predict a pleasant future. Carpe crastinun the saying should go.


E se Descartes tivesse Facebook?


Você vai ler a seguir a proposta de um ceticismo útil para o modo como a gente troca informação hoje em dia (2015). Não espere nada profundo, é apenas uma sugestão rasa como a tela de um tablet (mas que suporta imagem em 3D). Professores são aconselhados a não começar uma aula anunciando a lição de casa. Se o fizerem, dizem os manuais (que são os professores dos professores), os alunos ficarão pensando na lição e não prestarão atenção na aula. Vou começar pela lição, já que, nesse caso, o intuito é justamente que o leitor fique pensando nela.

Comece a contar quantas vezes você concorda com uma informação (notícia, postagem, propaganda, pesquisa e etc) logo após ter lido o título. Se eu tivesse que apostar, apostaria que isso acontece na maioria das vezes. Isso é um problema. É um sinal de que não estamos procurando informação, estamos procurando confirmação (e seus irmãos: o consolo, o apoio, um abraço e até um carinho). Vamos pensar na felicidade (eu já sabia!) do vegetariano quando lê um título do tipo: 'Bacon faz mal à pele'.  A inversão tende a ser simétrica. Pense em quantas vezes você já lê aquele texto contrário à sua posição política fazendo um comentário cético-irônico a cada sentença. Vamos admitir: nosso rigor, assim como nosso humor, é partidário. Um carnívoro, diante da mesma notícia, emenda: 'é claro que faz mal para a pele: a do porco.' Os dois processos, confirmação e negação cegas, funcionam para nos deixar feliz. Se seguirmos assim, nada abalará a visão de mundo que nos sustenta. Ainda assim, saindo da auto-ajuda, talvez esse não seja o melhor uso que se possa fazer do ceticismo.

Descartes ficou célebre por começar sua investigação pelo ceticismo. Não foi uma inovação dele, eram tempos tortuosos aqueles em que descobertas científicas (Copérnico, depois Galileu e a terra já não é o centro do universo!) abalavam os pilares do conhecimento. Não se assuste com as três referências em uma sentença, isso é tudo que eu sei sobre essas três celebridades e você não precisa de mais nada para entender o ponto. O ponto é que Descartes não aplicou o ceticismo aos seus rivais. Ele não foi rigoroso ou crítico com quem ele discordava. Muito pelo contrário, ele começou aplicando o ceticismo às suas próprias crenças. Hoje é fácil dizer que não deu muito certo, já que ele falou algumas coisas que hoje soam como bobagens (talvez seja porque ele não aplicou o ceticismo tão afundo como apregoava). Mas enfim, o que se extrai desse exemplo é que o ceticismo é uma arma que funciona melhor se utilizada contra nós mesmos. O movimento não é natural. Nada é mais artificial do que discordar de nós mesmos. A gente acha, acha não, a gente tem certeza de que sabe a verdade. E mais, quão estúpidos são aqueles que não percebem que nós estamos certos! Talvez essa certeza cega tenha uma explicação evolutiva. Quem não para para se questionar age mais e não hesita em ir até o fim. Em um contexto de luta pela sobrevivência isso pode ser vantajoso. Mas para buscar informações sobre o mundo é preciso abandonar essa natureza. Se você quer informação em vez de confirmação, comece duvidando de si. 

Isso dito, diante de uma notícia com a qual concordamos desde a leitura do título teremos duas opções razoáveis. a) Não ler, ou b) ler forjando um ceticismo. É claro que sempre se pode ler algo dauqele amigo, daquele comediante ou daquele jornalista com o qual sempre concordamos apenas para satisfazer aquela dose diária de confirmação das nossas certezas. Mas cuidado, é preciso fazer isso sabendo que é tão arriscado alimentar certezas quanto gremlins. Quem não gostou do título (ou quem gostou da sugestão) e está lendo esse texto em busca de problemas, com certeza já aventou para o problema que os não-céticos logo identificam no ceticismo: ele não pode ser aplicado a si mesmo. Pois se assim o fosse, o leitor deveria ser cético diante desse texto que aconselha a ser cético. A conclusão, nesse caso, seria que o cético, então, não deveria ser cético!?

Não necessariamente. Se o ceticismo é definido como uma arma a ser aplicada contra si mesmo, aqueles que discordam desse texto deviam questionar-se porque discordam. Apenas os céticos deveriam questionar seu não ceticismo diante desse texto, o que seria muito saudável. Desse ponto de vista, o ceticismo seria como o bumerangue que volta contra quem o lançou, mas, para quem sabe lançar, a volta é, na verdade, um benefício e não um problema. É possível ser cético (principalmente contra nossas certezas) sem ser nihilista. Como Descartes, vamos usar como um primeiro passo para continuar se informando. Uma vez ao dia, deixe de ler um artigo com o qual já concorda com o título e busque um da opinião contrária. Mas cuidado com essa busca. Não escolha a dedo o pior defensor da opinião contrária para justificar sua oposição. Procure bons oponentes, neles a gente pode encontrar amigos. Por exemplo, eu jamais irira concordar com as limitações da teoria evolutiva se fosse ler textos creacionistas.

O parágrafo final é hora colocar a sugestão no âmbito prático que é tema recorrente do blog. Diante de um projeto social a gente repete as mesmas tendências que diante de todas as outras informações. Se somos por uma causa, vamos concordar com ela, se somos contra, buscaremos suas falhas até além do bom senso. Educação é um tema de que (quase) todos concordam trazer benefícios sociais. Talvez não seja (ver tabela na pg.36). Mas se for, quem é pelo avanço tecnológico vai defender que o modo de resolver a situação é modernizar as escolas. Quem tem uma visão mais economicista vai defender aumentar os incentivos a professores e alunos. Quem foca nas relações humanas vai defender uma nova abordagem em sala de aula. Talvez seja bom que eles sejam tendenciosos a ponto de fazerem suas hipóteses virarem realidade. Só assim os céticos terão material menos especulativo para comparar resultados e apoiar o melhor programa. A sua vantagem é que a humildade epistemológica os permite abandonar as certezas iniciais. Alguém pensou em combater vermes para melhorar educação?


The boogerman (or on the concept of person)

 There is an extensive bibliography on animal ethics. There is also, a growing number of studies to find the roots of human morals based on animal behaviors of reciprocity and altruism. In face of that, can we envisage a philosophical approach to an ethics of animals? Not in the sense of human ethics towards animals, but as a search for some contributions to ethics extracted by moral behaviors identified in animals. Probably someone is already doing it, in the following I will start my first attempt.

I will try to show how animal behavior may prove the necessity for us to refine our notion of 'person'. This, I hope, will have an important influence on our own ethics (including the above mentioned already traditional field of animal ethics). I am happy that the philosophical vein of the text will allow me to proceed only through thought experiments. This discharges me of the responsibility to experiment with living beings. On the other hand, I'll bear some second order suffering in my hands because I'll use the results of some scientific experiments to develop the argument, mostly with rats.

Since a few years ago there is evidence that rats have some simple form of empathy. Bartal et al. identified an emotional contagion in the capacity of rats to feel in themselves what another rat is feeling. I hope to give a more deep treatment of empathy in a following essay. Now I want to proceed to the supposition that maybe they have some distinction that we use the vocabulary of 'person' vs. 'object' to convey.

In a recent study Nakashima et al. wanted to verify if rats could see and feel the pain in another rats face. To do so, they took pictures of rats with a neutral expression and rats with pain expression. Then, they decorated the walls of two rooms. One had the pictures of rats with a neutral expression and the other those with the pain expressions. When put into a structure composed of both of these rooms rats showed a pattern. They preferred to stay in the room decorated with the neutral pictures. This suggests that they can recognize pain in the face of the other and that they don't like what they see.

However, they also tested another scenario. They repeated the same set up, but now the photos of rats with pain expressions had their bodies airbrushed. Surprisingly, this time rats did no repeat the pattern of avoiding the room with pain faces. The scientists then assumed that the bodies of the rats may communicate some essential part of the pain information. It is based on this unexpected reaction that I want to develop another hypothesis.

I do not buy the explanation that bodily cues are somehow essential for rats to reckon the pain in the face of the others. It could be easily tested by putting pictures of montages of rats with pain faces over the bodies of rats not feeling pain. I guess they would once again avoid the room with such pictures. This hypothesis leads to the new interpretation I want to propose. What if rats failed to recognize the rats with airbrushed bodies as 'persons' and treated them as 'objects', therefore, feeling no empathy towards them.

I put 'person' and 'objects' in quotation marks because these concepts at first seem too human for the reader to accept that rats could have some primitive version of it. Concerning human beings we do know that when we see another human being as a person we perceive it as a whole. On the other hand, when we see them as an object (of desire, for instance), we analyze them by parts. Gervais among others have shown that men treat pictures of hot models as a bunch of (hot) pieces. Why can't complex animals as rats show a similar behavior of recognition?

If they do, they would need to see the other rats as whole to treat them as 'persons'. In the airbrushed bodies condition they simply failed to do so. Now we can start to see that our first skeptical reaction to the attribution of a concept of personhood in rats may be part of the problem. Note that the question is not if rats deserve the rights we humans attribute to persons (as is usual within the context of animal ethics). The question is if rats have themselves some concept equivalent to the human concept of person.

Usually a humans beings talk of a person to refer to someone who they recognize as being basically like themselves. The indeterminacy lies on what counts to be 'like themselves'. Europeans didn't consider indians to be like themselves for a period of history and maybe neither vice-versa. This doubt was put in christian terms of having a divine soul or not. In our times this may be translated as 'having whatever we think it is that makes us humans'. The candidates for these can be cultural like religions, arts and mathematics; corporeal like feelings of pain and pleasure or those concerning the mind like self-conscience, memory of past experiences and planning towards the future and so on. We could spend some time trying to better determine this definition. It does seem as a useful enterprise, but I shall content myself with the start-up.

Just to refresh: Rats identified themselves with the rats in pain in the photos. They also did not mind with the grimace faces seen on airbrushed rats. These reactions seem close enough to the ones we would suppose of someone treating the first groups as 'persons' and the second one as 'objects'. If so, we have two main alternatives. Either we acknowledge to rats the specific concept of rat-person. But in this case we could fall into an infinite regression and be obliged to postulate concepts of horse-person, monkey-person and so on. Or we can expand our concept of person to be suitable for other complex animals to have it. This means extracting the determination of 'human' in the definition of person.

Note once again that to attribute the concept of a person to rats is different from extending to them the rights that we human beings assure to those under our concept of person. The effort here is to see how an inconsistent notion of 'being like ourselves' are part of the working brain of a rat. Once that is understood, one must suppose a broader definition of person. My first attempt came out as: 'identifying some individual as having approximate complex internal experiences in the face of existence as oneself'. For the rats, rats in the photos have that while rats with airbrushed bodies don't. Conversely, humans that see only their small tribe as worth the categorization of a person are being (expectedly) as close minded as the rats in the experiment. They all treat as an object whatever small deviations they find to exclude an individual from what they believe is the norm. Happily enough, other complex animals show that personhood does not need to be an interspecies concept. For instance, when horses or dogs recognize the feelings of human beings they are using their concept of person to identify themselves with other individuals. Note that on this version it will be easy to include computers in the category of persons.


One last problem. If the concept of 'person' needs to be broad but remains subjective will it become senseless? I mean, I just need to identify myself with the booger I have just taken out of my nose for it to be referred as a person? It will be nice not to have to allow that. But then we will have to accept that person will always be a biased term? Maybe a little self-predication may be of some help at list once in the history of philosophy. What if 'having a biased concept of person' is the unbiased condition that we need to determine what it is to be a person? Some individual or species that can identify others (even if in a biased manner) as being like themselves, do not make these others persons, but prove that they (those able to do the identification) are to be considered as persons. To cut it short: seeing others as persons makes you (not the other) a person. Thus, seeing my booger as a person makes my a person (maybe a crazy one) but it does not say anything about the personhood of the booger.

21 marchas e 200 cavalos

Na noite do dia 05/02/de 2015 houve uma confusão entre o bloco carnavalesco 'da bicicletinha' e a polícia militar. Houve uma prisão, algumas agressões físicas e os ataques, de ambos os lados, continuaram pela internet.

Na versão das pessoas do bloco: a viatura cortava pelo meio do bloco, pela calçada, quando atropelou um ciclista. Esse xingou, eles, pararam, o agrediram, lançaram bombas de efeito moral e tiros de borracha contra os outros participantes, e efetuaram a prisão. Essa última, está gravada.

Na versão da polícia: Moradores ligaram reclamando da confusão gerada pelo bloco. Quando eles chegaram para averiguar a situação, o ciclista os agrediu jogando a bicicleta contra a viatura. Diante disso, eles pararam e reagiram com 'força diferenciada', que seria adequado como defendem em vídeo.

Como sempre, não há documentação do início do acontecimento e, por isso, é justamente nessa parte que os relatos variam. Talvez valha dizer que, em outras situações semelhantes, já testemunhei sim provocação desmesurada por parte dos cidadãos frente a polícia, bem como, muitas vezes, a desmesura na violência se originou do lado da polícia. Eu não estava lá e, portanto, não vou tentar defender qual lado tem razão. Felizmente, nesse caso, o argumento independe da precisão acerca da origem dos fatos.

Apenas para desenvolver o argumento, vamos aceitar a suposição de que a versão da polícia é mais condizente com o acontecido. Se tiver sido esse o caso, um ciclista seminu 'agrediu' policiais armados em uma viatura. O quadro de uma bicicleta mede por volta de 55 centímetros e pesa por volta de 3.5 kg. Uma viatura da Rotam mede quase 6 metros e pesa mais de 2.000 quilos. As medidas são aproximadas mas importantes.

Suponhamos que a versão da polícia esteja correta. Ainda assim será possível qualificar a atitude do ciclista como uma agressão dado que a diferença no peso entre eles beira 1000%? E ainda que seja uma agressão, justifica uma reação com 'força diferenciada'? Uma analogia pode ajudar a pensar. Se uma criança de 5 anos der um beliscão em um adulto de 35, seria apropriado que o adulto revidasse com um soco? Ou mesmo com um beliscão? Isso nos leva a segunda parte da narrativa.

Sobre a segunda parte, documentada em vídeo, todos concordam. A polícia reagiu com força diferenciada contra o ciclista. Mais uma vez, o argumento da diferença de condições se aplica. Um bando de homens treinados, uniformizados e armados contra um cidadão seminu. O cidadão, para agredir, poderia, no máximo, falar uns palavrões e dar uns tapas na lataria da viatura. Isso justifica a reação da polícia? Voltemos ao caso da criança. Porque é covardia que o adulto responda com agressão máxima à agressão mínima da criança? Porque, com a força, na nossa sociedade, vem também a responsabilidade de controlá-la. Isso leva ao segundo ponto da crítica.

A polícia se justifica como se estivesse apenas cumprindo seu trabalho de agente defensor da sociedade. Sim, eles o são. Não é a toa que detêm o monopólio de uso da violência para assegurar a boa convivência entre os membros da sociedade. Isso é necessário já que, muitas vezes, os membros têm interesses conflitantes. Um quer pular carnaval. Outro quer dormir. Porém, esse monopólio do uso da violência não está em favor de uma sociedade sob a lei da reciprocidade. Policiais não são agentes de um código que prescreve o olho por olho dente por dente (ou, nesse caso, dente por uma arcada dentária inteira). Não, policiais são (supostamente) profissionais treinados para intervir em situações de conflitos para proteger, da melhor maneira possível, os interesses de todos envolvidos. Isso inclui ( quiçá principalmente) os interesses de quem é visto como infrator das leis.

Se houve infração, foi mínima. Se houve ameaça de agressão, foi mínima. A certeza, compartilhada por todos os lados, é que a reação foi desmedida. Desse modo, independente do que desencadeou o tumulto, a polícia teve uma postura condenável. O que muda, caso a versão correta seja a dos ciclistas, é o nível de absurdidade, que, eu espero, daqui pra frente, retroceda.

Ps: Antes de ligar reclamando do barulho que realmente incomoda quem não quer participar da festa, considere a possibilidade de estar desencadeando acontecimentos muito mais sérios do que se imagina.

Ps: Tentemos entender quem não quer festa e interferir o mínimo na sua rotina. A maneira mais segura de evitar a força truculenta é prescindir dela. Em vários casos, isso é impossível, mas, no carnaval, é possível sim.



Some notes on Taleb's 'The dominance of the stubborn minority'

 In a draft of his chapter 'The dominance of the stubborn minority' Taleb presents a model of how minorities with some restrictive habit can end up by changing the behavior of the majority. As one of his illustrations goes, imagine a daughter who starts eating only organic food. As organic food taste the same and costs roughly the same it is likely that the parents will start buying organic food for all of them out of simplicity. If a few families in an area start doing the same, the rule will apply to the stores. They will also start selling only organic food to get a simpler logistic. And thus the rule will multiply until the restriction of the minority becomes the rule and not the exception. The rule and the chapter are very perspicuous and made me think of a few things I would like to add to the discussion.

Edit: First of all, I should note that this is not the dominance of the 'minority', but the dominance of the 'more restricted' behavior. This is so because what pushes the change is not the number of participants (minorities or majorities), but their restrictions. Yet, this labeling mistake can be explained by the fact that being a minority is a condition for the pattern to be interesting. No one would see nothing paradoxical about the behavior of a majority be the dominant one. Nevertheless, the mislabeling can be misleading if one looses sight that the power of the system lies in the restriction and not in the number of adherents. 

Point one – flexibility

It seems that the minority must be stubborn and yet flexible (or adaptive) for its behavior to succeed. What I mean is that for the stubborn's behavior to prevail the minority must be around and, to a certain extent, be mixed within the majority they want to change. Think about the daughter eating only organic food. If she despises her parents diet so much that she stops eating with them (or even quit living with them) and go eat (live) with like minded people, she will not change any behavior. This first point is not extraneous to the text, but it may be worth being more explicit about it. It is implicitly made in the example of the Muslim marriage conversion versus the inflexibility of the Gnostic faiths. In allowing inter-religion marriage with the condition of conversion the Muslims have found a way to mix with people from other religions living around without relaxing the commitment to their beliefs. Maybe what we need to describe such a phenomenon is some sort of an anti-fragile stubbornness. Your behavior will benefit and grow to unintended levels if you stick with it where it is not the common rule. In other words it will benefit from an initially hostile (or indifferent) environment.


Point two – not too pushy

Now let me extrapolate a little further. It is just an intuition, but it can be backed up by some data on polarization of political discourse in recent times (cf. Haidt) and a few historical examples. I believe that a minority would not benefit too much of a peremptory pushing of its restrictions. If they push their behavior too much tensions will arise and the opposing side is likely to become over defensive and attached to their until then unreflected behavior. Recycling the first example of the chapter, if you pass a law obliging all sweet beverages to be kosher I suspect people would explicitly oppose to it. One can think of Antiochus obliging Eleazer to chose between eating pig or the capital punishment and the Jew choosing to die. This seems to be the case even if you have an army to force your restrictions. One can think about Franco unsuccessfully forbidding Catalans to speak Catalan while English manages to sneak into the vocabulary of every modern western language without too much ado. If this is true, or at least likely, we seem to enter the field of ideology which is in fact important to think about human behavior. I use ideology here in an unloaded sense meaning that people usually attach some special meaning to interpret and justify their behaviors.

Point three - The paradox

If we accept the hypothesis that ideology is a requirement for minorities to stick to their restrictions (point two), but also accept that for the restrictions to became the rule and not the exception they must spread to people without the ideology (point one) we have a paradox. It is a case for a non-ideological spread of an ideologically motivated behavior. It seems paradoxical, but fortunately reality deals a lot better with paradoxes than reason. The personal case of my family looks a lot like the example of the family used to illustrate the chapter, but, unsurprisingly, with the features I felt worth mentioning above. I became a vegetarian due to ethical reasons. At first, the family meals didn't have to change, I would eat the menu just skipping the meat. With some time my mom worried that I wasn't eating enough protein and started to cook more elaborated vegetarian dishes. I remember she stating that everybody in the family started to eat healthier because the salads now were more than lettuce and tomatoes. Some time after that my father became vegetarian, mostly for health reasons. Thus two thirds of the family, for different reasons, were following the restricted diet. My mom still eats meat, probably as a counter reaction to my dad being to pushy about how meat is disgustingly unhealthy. Even though, ought of simplicity in most of the meals there are only vegetarian options.

Conclusion

A weakness of the model presented in the chapter is that it just works if you are substituting things which feel and cost mostly the same. People only accept to eat organic with the minority because they don't have to give anything up. They still have the same food and pay roughly the same price. But what about as in most relevant cases when the change implies biggest changes? Say, if the change is not between organic or GMO but between eating meat or not. Those who eat meat also eat meatless meals and those who are vegetarians do not. Would the model work? By the description of the chapter it seems that the answer is negative. People are not ready to make strong changes of behavior just because is simpler. After the suggested additions above maybe the addition of some reason (in fact various reasons) and persistence without being too pushy can make it happen.

Sobre os sweatshops

A questão
O boicote aos sweatshops faz mais mal aos seus trabalhadores do que consumir seus produtos?

Definir o escopo
Para que o argumento se desenvolva de maneira mais bem estabelecida convém definir melhor o que se entenderá por sweatshop. Para ser considerado trabalho em sweatshop será necessário haver exploração desumana dos trabalhadores. Como numa relação de bonecas russas, agora é preciso definir exploração e desumana. É mais rápido tentar entender o que os dois juntos querem dizer. Casos menos consensuais considerados exploração por uns, mas não por outros, não se aplicam. Por exemplo, serviços árduos, menos remunerados do que se esperava, mas ainda sim regidos por direitos trabalhistas básicos não serão considerados. De modo que lixeiros, empregados domésticos, operários de mineração regularizados estão fora do escopo.

A exploração desumana nos sweatshops será definida como aquela que oferece remuneração muito baixa, cerceia a liberdade de ir e vir do trabalhador, o coloca em condições extremas que ameaçam sua saúde, não lhes garante direitos básicos como licenças médicas, intervalos para lanche ou usar o banheiro e impinge uma carga horária extenuante diária e de 6 a 7 dias por semana. Não se pretende uma definição definitiva. A perspectiva adotada será de que um certo número desses traços baste para caracterizar uma exploração desumana.

A comparação entre casos limítrofes entre exploração e exploração desumana talvez ilustrem a diferença. Compare as condições dos trabalhadores do almoxarifado da Amazon em países desenvolvidos (ou seja, com leis trabalhistas mais estabelecidas) e a produção de roupas em economias subdesenvolvidas como ficou exposta no caso do prédio desabado em Bangladesh. Ainda que os primeiros mereçam melhores condições de trabalho e reclamem do modo como são tratados, pintá-los como se estivessem na mesma situação dos últimos seria muito ruim para esses. Isso porque no segundo caso há violação clara de direitos humanos enquanto no primeiro não. Por outro lado, deve se deixar claro que esse exemplo não tem intuito de estabelecer uma separação simples segundo a qual todo trabalho em fábrica em economias subdesenvolvidas caracteriza exploração desumana.

O argumento do menos pior
Definido o escopo, é hora de apresentar o argumento de maneira caridosa. Entender um argumento com caridade, no jargão filosófico, equivale a interpretá-lo da melhor maneira possível antes de ver se ele procede. Em vista da exploração desumana que ocorre, é claro que ninguém, ou, pelo menos, ninguém que está pensando teoricamente no assunto, é a favor desse tipo de trabalho. O que se diz, é que acabar com sweatshops faria mais mal do que bem aos empregados. Portanto, o erro de quem boicota consiste na falha de não pensar como as coisas seriam se aquilo contra o que protestam acabasse. Por uma questão de facilidade, vamos chamar de argumento do 'menos pior' essa linha de defesa dos sweatshops.

Para o argumento do menos pior funcionar a narrativa do que aconteceria com o boicote aos sweatshops deve ser mais ou menos da seguinte maneira. As pessoas boicotam a marca X que, em algum momento da sua cadeia de produção, utiliza produtos produzidos por trabalhadores em condições desumanas. A empresa vai à falência. Seus empregados se transformam em desempregados e, ser desempregado, é pior do que trabalhar 16 horas por dia, 6-7 dias por semana, sem pausa, em um ambiente infernal, sem segurança, com chefes abusivos, em troca de um salário miserável.

Escolhas?
A opção pela descrição um tanto chocante foi proposital. O objetivo seria gerar uma primeira pergunta antes de entrar no argumento. Seria realmente preferível o sweatshop ao desemprego? Para os defensores do argumento do menos pior o comportamento dos trabalhadores que procuram esses empregos é tomado como um indicativo de que sim, é preferível. Pessoas chegam a emigrar de maneira ilegal em busca de empregos desse tipo. Aceito isso, a questão que se apresenta é se podemos aceitar a falta de opção como indicativo de preferência. Se eu vou a uma pizzaria que só serve um sabor de pizza por dia não pode se dizer que eu escolhi meu sabor preferido. Porém, tampouco pode se dizer que não houve escolha. Eu escolho se quero comer ou não. Mas podemos dizer que essa escolha atesta um nível mínimo de qualidade mínima da pizza? Para dizer que não é preciso uma evidência comportamental similar à oferecida acima. Nesse caso, é preciso que apareça uma opção um pouco menos ruim e que os clientes da pizzaria a preferissem.

Um caso prático que ilustra esse tipo de comportamento seria o das domésticas no Brasil (ainda que o serviço doméstico, como foi dito, não é um serviço com as condições tão ruins como as dos sweatshops). Com aumento da oportunidade no mercado de trabalho a porcentagem de mulheres que desempenham essa atividade historicamente mal remunerada vem caindo ano após ano. Diante desse tipo de exemplo parece seguro concluir que as pessoas preferem sweatshops a nada, mas que também prefeririam qualquer condição um pouco melhor em vez da que são coagidos a aceitarem. A situação então é que sweatshops são melhores que nada, mas qualquer outra opção um pouquinho melhor é preferível.

Se voltarmos ao argumento veremos que essa preferência não o desvalida. Isso porque segundo a sua narrativa estaríamos em um dilema binário para escolher entre sweatshops ou desemprego (ou, no máximo, entre sweatshop ou empregos ainda piores). Também existem exemplos para ilustrar essa situação. Um caso citado é o de um senador do estado americano de Iowa que tentou passar uma lei para impedir a importação de produtos vindo de fábricas que utilizavam mão de obra infantil. Em vista disso as empresas teriam demitido as crianças que, segundo um relatório das nações unidas, parecem ('are thought to') ter migrado para empregos ainda piores. A linguagem do relatório é muito pouco objetiva para que o caso seja tomado como evidência, mas pode ser um indicativo. Talvez seja sim o caso de que um emprego no sweatshop seja uma maneira de ajudar quem não tem outra opção.

A maré
Seguindo essa linha do argumento do menos pior alguns economistas conservadores e outros mais à esquerda defendem a necessidade dos sweatshops. O argumento deles vai além do nível individual e apresenta uma regurgitação do notório argumento da maré. Segundo o argumento da maré o desenvolvimento econômico provocado pelos trabalhos criados pelos sweatshops vai incrementar a economia da região e dar empregos aos desempregados. Além disso, eventualmente, a maré vai levantar também a qualidade de vida desses que compõem o estrato mais baixo dentre os que participam dessa economia.

O exemplo aqui seria o dos tigres asiáticos cuja economia desenvolvida de agora tem origem em um impulsionamento da economia proporcionado por produção de bens baratos em sweatshops. A partir da renda advinda desse mercado, seus governos investiram com sagacidade em infraestrutura e educação. Assim eles passaram de uma região produtora de bens baratos para produtores de tecnologia de ponta. Agora, em vez de produzirem bens baratos eles compram esses produtos de sweatshops em outros países. Esses países, com o tempo e os investimentos necessários, seguirão o mesmo caminho.

Porém, há um problema nesse modelo. Basta adotar uma perspectiva global para notar que houve apenas um deslocamento da violação aos direitos humanos dos sweatshops que passou de dentro das fronteiras de uns países para regiões estrangeiras. Portanto, não faz sentido dizer que eles ultrapassaram a fase de sweatshops. Não, eles apenas os externalizaram. Os que sofriam em seu país foram substituídos por outros que agora sofrem em outro lugar, e, se esses se desenvolverem, farão o mesmo. Nessa dinâmica, se a prática dos sweatshops continuar sendo aceita, haverá sempre apenas uma transferência do sofrimento. O que torna esse um argumento ético (e provavelmente econômico do ponto de vista global) muito ruim.

Uma analogia histórica pode ajudar a colocar em perspectiva. Era justo para EUA, Europa, Brasil e etc usarem escravos vindos de outros continentes? E, depois da proibição na Europa ou no norte dos EUA, era justo, consumir bens produzidos por escravos em outras regiões? Por um tempo foi, mas não queremos repetir esse erro. Talvez seja utópico demais pedir que todos trabalhadores tenham condições de trabalho equiparáveis. Na verdade, em vista do mercado globalizado atual, esse tipo de igualdade, ainda que desejável, retiraria o incentivo das empresas usarem mão de obra de regiões menos desenvolvidas e, como vimos, o nada parece ser pior do que os sweatshops. Porém, o que se pede são apenas condições mais humanas e salários mais condizentes. Em vista dos preços dos produtos quando chegam nas mãos do consumidor isso parece bem factível sem nenhuma grande alteração em como o mercado funciona (ainda que uma alteração seja desejável, mas como é muito mais difícil e incerta de se conseguir ficará para outra discussão).

Múltiplos outros jeitos possíveis
Argumentos do tipo do menos pior também podem ser criticados dentro da falha que eles viram no boicote aos sweatshops. Assim como é uma falha deixar de pensar o que aconteceria se as coisas fossem de 'outro jeito', também seria uma falha pensar que há apenas um 'outro jeito' possível. Não é assim, em sistemas complexos como as sociedades humanas existe uma pluralidade de possibilidades. Para manter o diálogo com o argumento do menos pior convém se ater a situações que já aconteceram para vislumbras essas possibilidades.
Um exemplo fatual de outras consequências possíveis acontece na pressão pública feita às grandes marcas para que mudem seu comportamento. Um desses casos envolveu a uma campanha pública (incluindo boicote) contra a Apple porque seus aparelhos, muito caros, eram montados em sweatshops da Foxconn. Como consequência, é claro que a empresa mais valiosa do mundo não faliu, sequer a terceirizada mais criticada, a Foxconn, fechou. O que se seguiu foi um comprometimento da Apple de vigiar mais de perto as condições de trabalho em seus fornecedores. Empresas de chocolate, seguindo pressão da Oxfam, fizeram algo parecido e até o comprometimento do McDonalds de não usar ovos de galinhas criadas em gaiolas se encaixa, de maneira ampla, nessa discussão. Em suma, não é preciso querer fechar as empresas, o que é necessário é apenas reforçar a opinião comum de intolerância a este conceito de sweatshops.

E, como quem argumenta a favor dos sweatshops em vez de nada, concorda que as condições desses trabalhadores são horríveis, é de se esperar que eles concordem com um melhoramento dessas condições. Além disso, acho que é saudável manter um certo nível de ingenuidade que permita pensar em 'mundos possíveis' melhores além de intervenções cujas consequências podem ser mensuradas. Afinal de contas, as melhores possibilidades provavelmente vão aparecer no meio de muitas tentativas de outros jeitos que fracassam. Em casos complexos como esse seria preciso uma grande quantidade de tentativas para se selecionar com qualidade.

Consumo ético
O segundo alvo da crítica aos que defendem o boicote aos sweatshops é uma das soluções que vem abocanhando uma parte cada vez maior do mercado. Chama-se consumo ético a busca por parte do consumidor de ter uma garantia de que a produção dos bens adquiridos respeite os direitos humanos dos trabalhadores e o meio ambiente. O termo é geral e abarca as mais variadas ações, nem todas com o mesmo nível de coerência e eficácia. Pode ser um selo de garantia de produção orgânica ou um selo de fair trade que garante bom tratamento dos empregados.

Os críticos apontam que existem vários problemas com a maioria dessas iniciativas. O mais evidente é que, como é caro obter esses selos, eles acabam privilegiando negócios de médio e grande porte. Isso deixa os pequenos produtores, os mais necessitados, fora do jogo. Outro efeito colateral é que, devido a esse diferencial, a tendência é que esses produtos do consumo ético chegam ao consumidor por um preço mais alto. O problema disso é que uma renda que poderia ser gasta ajudando soluções eficazes para melhorar as condições de vida de quem precisa acaba indo para esses bens.

O primeiro ponto aqui é reconhecer o que há de positivo nesse movimento de consumo. Fica claro uma vontade dos consumidores de bens dos países desenvolvidos de assegurar uma cadeia de produção justa por trás dos bens que eles compram. As pessoas estão dispostas a pagar mais para participar de um mercado mais bem distribuído. Isso deve ser elogiado e aproveitado. Por outro lado, se a crítica mostra que essa vontade não tem gerado os melhores resultados, é preciso reavaliar a solução. Digo reavaliar, e não abandonar porque o fato de que o modelo atual não funciona, não implica que é melhor deixar como está. Se o estado atual é ruim e a solução não funcionou é hora de procurar outra solução (ou outra maneira de aplicar a solução proposta). A questão, mais uma vez, é não assumir que o que acontece agora em um caso particular obriga que sempre acontecerá assim. Existem várias outras possibilidades possíveis.

Uma possibilidade no caso dos orgânicos adotada pelo governo do Brasil pode apontar uma solução. Aqui, produtores da agricultura familiar, principalmente os assentados em terras de reforma agrária, podem vender seus produtos como orgânicos sem custo adicional de requirir um selo. Basta se declararem produtores orgânicos. O governo ainda se dispõe a comprar sua produção se eles se unirem em um grupo e fornecerem quantia suficiente para a alimentação oferecida em escolas públicas e outros projetos.

Uma analogia
Agora vou dar meta-passo e tentar identificar o que haveria por trás dessas posturas no campo da meta-ética. Eu suponho que a universalidade opere na diferença de perspectiva vista acima. Quem não aceita o 'menos ruim' universaliza. Para esses comprar de um sweatshop não é apenas incentivar essa empresa particular que vai ajudar esse trabalhador que precisa, mas é também legitimar esse modelo de mercado que se embasa na exploração desumana de trabalhadores. Já quem defende o 'menos ruim' enfatiza que a consequência de comprar em sweatshop para os trabalhadores da empresa é melhor do que o boicote.
É hora de outra analogia para pensar o dilema. Suponha que você veja um animal silvestre sendo vendido em um mercado sem as menores condições higiênicas e de conforto. Pode se ter vontade de comprar o animal para salvar esse indivíduo em particular. Por outro lado, pode se pensar que ao comprá-lo, se incentivará o mercador a capturar um outro animal, e até outras pessoas a se tornarem mercadoras de animais silvestres. Desse ponto de vista, o ato feito para ajudar um indivíduo acaba condenando vários outros.
Primeiro, há de se responder o cético a mudanças comportamentais por atitudes isoladas. Ele dirá que, se você não comprar, outro comprará e tudo vai ficar na mesma. Esse, no entanto, não parece ser um bom contra-argumento para o boicote por alguns motivos. Primeiro, não comprar teria sido ruim na medida que você não ajudou o animal particular em questão. Ora, se outro o comprar, o indivíduo será ajudado de qualquer maneira, de modo que o bem será o mesmo. O caso dos sweatshops ainda tem o agravante de que o benefício não vai assim direto a quem você quer ajudar, mas a maior parte fica com o dono das empresas em que eles trabalham.
Segundo, é claro que ninguém é tão ingênuo a ponto de pensar que a sua abstinência solitária da compra vai acabar com o comércio. Mas, por outro lado, há de se concordar que é a soma de abstinências de compra que vai enfraquecer o comércio, e, quem sabe, acabar com ele. Portanto, cada um tem sua pequena parte insuficiente mas necessária para mudar as coisas. Além disso, se o argumento do um só não faz diferença funciona para criticar quem quer boicotar, ele deveria funcionar também contra quem acha que boicotar gera é mais mal do que bem. Isso porque se o boicote do indivíduo não faz diferença positiva, também não fará negativa. De qualquer forma fica claro que aceita a universalização, não se trata de lutar para que hajam alternativas éticas para que os consumidores possam escolher, mas antes que seja obrigação de todo e qualquer negócio oferecer condições humanas de trabalho aos seus empregados.

Confronto
Até aqui, temos que os defensores do argumento do menos pior acham que a alternativa ao sweatshop é a sua ausência e que isso gera mais mal do que bem. Já os defensores do argumento do boicote e do consumo ético, acham que parar de comprar produtos de sweatshops e comprar produtos com selos de comércio justo é a melhor saída. Seus opositores, no entanto, apontam que o comércio ético corrobora seu ponto de que a alternativa aos sweatshops é pior que sua permanência, pois privilegia quem não está no fundo da cadeia de produção.
Se confrontarmos essas posições aceitando o que há de plausível e o que não funciona em cada uma teríamos que não é aceitável que hoje em dia se coloque trabalhadores nas condições impostas pelos sweatshops. Isso deve acabar e é perfeitamente factível que aconteça. O boicote pode ser um passo para se pedir o fim dos sweatshops, no entanto, ele não pode ser pelo fim da fábrica nos países em desenvolvimento, mas antes pela regulamentação de condições necessárias para a sua permanência. Além disso, a alternativa aos produtos boicotados não pode ser a dos selos de consumo ético. Esses fazem mais mal aos produtores em pior situação no mercado global. Se for assim, se segue que é preciso também boicotar os produtos sobre taxados do consumo ético.

Colocar em prática

Desse caminho eu moldei qual será minha atitude diante da questão da seguinte maneira. A solução, de fato, não é conclusiva, mas me parece suficiente para evitar, primeiro, produtos de selos de consumo ético e, segundo, produtos de sweatshops. No fim das contas, o que se deve procurar são produtos não sobretaxados com a desculpa de assegurarem bom tratamento aos trabalhadores e também que não venham de sweatshops. Porém, se tiver que escolher entre um ou outro, é melhor escolher aquele procedente de um sweatshop e gastar o dinheiro que você economizou para algum tipo de ajuda humanitária que lhe apeteça. Porém, não é o caso que sempre você tem apenas essas duas opções. Pensando em leguminosas, por exemplo, você não precisa comprar ou de um produzido com trabalho escravo ou a loja de orgânicos em que os preços são absurdos. Existem várias opções entre esses extremos. O mesmo acontece com roupas, que não variam apenas entre produzidas em sweatshops ou atestadas com selo de qualidade.  

Alguns caminhos para um mundo menos ruim

O problema
Um problema que um cidadão de classe média (que na verdade é afortunado) de um mundo globalizado enfrenta é o da procedência dos bens que consome. Sabemos quão grandes são as chances de que, em algum momento na cadeia de produção dos vários bens que compramos, haja exploração desumana de um trabalhador.

Alguns exemplos mais comuns de casos de exploração desumana:
A indústria da moda tem várias ocorrências de exploração de trabalho ilegal e infantil;
Muitos dos alimentos pelos quais pagamos caro vêm de agricultores em situação de semiescravidão;
A extração de minerais permanece retirando vários anos de vida saudável de seus trabalhadores;
A montagem de eletrônicos também impõe cargas horárias sobre-humanas aos trabalhadores.

Em busca das raízes
1. Um socialista (usando o termo de maneira bem ampla) diria que a exploração é uma condição inerente ao sistema capitalista e a solução depende de mudar este sistema e a estrutura da sociedade. É preciso acabar com o mercado liberal.

2. Um liberal iria no sentido oposto. Para ele o capitalismo opera num sistema gradual de inclusão que pode até começar provocando exploração excessiva dos trabalhadores dos países periféricos, mas, com o tempo, a medida que esses países entram mais no sistema, os direitos e ganhos dos seus trabalhadores acabam aumentando. Para ele, interferir no sistema só vai tirar a possibilidade da economia do país e de seus trabalhadores crescerem.

Primeiro, é preciso verificar o desacordo em busca de alguns fatos
Dá pra chamar de fato histórico que o capitalismo, pelo menos até hoje, depende da exploração de trabalhadores. Havia a escravidão, que foi banida na Europa, mas continuou na África e nas Américas. Depois, ela também foi proibida ali, mas os mercados europeus continuaram usando a África e Américas central e do sul como uma fonte de produtos agrícolas que usa empregados em condições miseráveis. Além disso, há o movimento de transferir fábricas com produção por trabalho não qualificado para a ásia e países capitalistas periféricos que não tiveram movimento sindical e aceitam que seus trabalhadores passem por condições deploráveis. E mais, como os direitos aos trabalhadores aconteceram no ocidente de maneira ligada à crítica da esquerda, o socialista parece ter um ponto concreto ao dizer que mudanças estruturais devem ser vislumbradas.

Por outro lado, a própria organização dos fatos acima alude ao sistema de ondas que sai do centro e vai, lentamente, agindo na periferia, reverberando melhorias (ainda que mais lentamente que gostaríamos). Assim, por exemplo, teria sido com os tigres asiáticos, que antes eram lugares de produção de bens baratos, cuja venda massiva lhes fortaleceu a economia, permitindo que eles investissem em estrutura e educação, chegando ao nível de hoje, em que produzem tecnologia de ponta e seus trabalhadores são bem pagos. O exemplo mais recente de alguém que começou a fazer esse percurso seria o Vietnã. O liberal, portanto, também tem aonde assentar o seu ponto.

Há um vitorioso no confronto?
Se confrontarmos as posições, chegamos a um impasse que parece favorecer o ponto do socialista. Mesmo se aceitarmos a justificativa do melhoramento gradual, o fato é que a expansão das melhorias sempre dependeu de, em algum lugar da cadeia, haver mão de obra a ser explorada. A resposta mais comum e convincente do liberal seria que isso não quer dizer que sempre haverá essa exploração. Em pouco tempo haverá a revolução tecnológica na qual robôs substituirão esta mão de obra explorada. O debate segue e o socialista logo encontra uma contra-crítica. Se a utopia capitalista acontecer, vai gerar é uma distopia, pois, daí, surgirá uma massa de trabalhadores sem emprego.

O socialista também parece vencer com este último ponto, mas o problema é que um exame mais atento mostra que ele vai contra a sua postura original. Esta contra-crítica implica, mesmo sem admitir, que, antes da revolução tecnológica, ou seja, agora, também seria verdade que os trabalhadores estão menos mal de vida sendo explorados do que desempregados. Ora, este é exatamente o ponto de muitos liberais que declaram ter uma posição realista em relação ao mercado globalizado. É melhor comprar os produtos produzidos em condições não ideias do que boicotá-los e tirar emprego dos trabalhadores colocando-os em uma condição ainda pior.

Sem uma resposta, mas prontos para buscar soluções
Uma postura interessante para vislumbrar soluções realistas seria tentar extrair soluções a partir do comportamento dos trabalhadores em busca de sobrevivência.

1. Não é preciso pensar em um futuro distópico para encontrar essas situações. No Brasil, por exemplo, os ônibus têm catraca eletrônica e cobrador. A redundância é regulada pelo governo que proíbe a substituição dos trabalhadores por máquinas. Os trabalhadores estão de acordo com isso pois chegaram a fazer greve para impedir sua demissão. Seu trabalho é mal remunerado, sem condições ideais de saúde e bem arriscado, mas, ainda assim, eles o preferem ao desemprego. Deste modo eles concordam, através de ações, que é melhor um emprego medíocre ao desemprego.

A solução do governo de impedir a demissão por lei aponta, portanto, para um tipo possível de intervenção: Fazer campanha para que os governos criem leis que protejam os trabalhadores e as façam cumprir. Esse tipo de solução engloba ambas as posições acima. Se trataria de uma expansão gradual do mercado que deveria ir acompanhada por lei (e não seguida de longe) dos direitos sociais reconhecidos no mundo economicamente desenvolvido. [Há de se considerar que se for assim, as empresas perderiam o incentivo de sair dos centros de mercado. Mas esse não parece ser o caso já que mesmo com melhores condições a quantidade de mão de obra disponível ainda reduziria o custo.] Essa necessidade de regulação externa responde às evidências de que o mercado por si só é incapaz de se regular em pontos cruciais que seriam de interesse da maioria, como nos direitos dos empregados, uso responsável do meio ambiente e até mesmo na definição do que é 'livre' comércio.

2. Os protestos de junho de 2013 no Brasil começaram por causa do aumento de passagem no transporte coletivo. O problema segundo os descontentes era que as empresas já ganhariam muito, mas, mesmo assim, aumentavam as passagens anualmente. Isso prejudicaria muito os usuários. Quase não se falou sobre a questão dos cobradores e motoristas. Seria válido perguntar qual seria a reação se o aumento da passagem fosse feito para ser repassado na íntegra aos empregados. Será que isso seria aceito de bom grado pela população? De maneira análoga, será que o consumidor aceitaria pagar mais caro pelos produtos que compra para assegurar um salário digno e boas condições aos trabalhadores de toda cadeia de produção dos bens consumidos? Para uma parcela dos consumidores que podem se dar a esse luxo, parece que sim. Podemos ver isso no crescimento da preocupação das empresas em anunciar sua responsabilidade social e também nos selos de fair trade.

Estes programas, em geral, ainda parecem ser mais maquiagem do que eficazes, mas como o que está sob análise é o comportamento dos consumidores, não faz diferença. Daí surge uma outra opção de intervenção, criar uma necessidade mercadológica de consideração do direito dos trabalhadores que vai além do preço final e considera também a responsabilidade social da empresa diante dos seus trabalhadores.

3. Outro tipo de atitude que confirma a preferência por um emprego medíocre ao desemprego é a imigração ilegal. Em vez de esperar que a marola do capitalismo chegue ao lugar em que vivem, vários trabalhadores migram de lugares onde não têm trabalho nem direitos para lugares onde os trabalhadores têm emprego e direitos. Um exemplo recente é o dos haitianos que vêm ao Brasil através da amazônia em busca de sobrevivência. O problema é que, ao chegarem em situação ilegal, eles até encontram emprego, mas não encontram os direitos que os trabalhadores legais têm garantidos.

Esse caso permite vislumbrar uma outra solução possível, a abertura das fronteiras. Assim, os trabalhadores poderiam migrar para onde seu trabalho fosse mais necessário e com as melhores condições e ter os direitos legais dos trabalhadores daquela região.

4. Existe ainda um exemplo mais desesperado de busca por emprego medíocre: o da indústria do sexo. A postura de uma mulher que não quer se prostituir, mas, ainda assim, o faz para sobreviver, só faz sentido se sem essa fonte de renda ela não pudesse sobreviver. [O caso da que escolhem esse tipo de profissão, que também é legítimo, descaracteriza a exploração e não faz parte do assunto em questão.]

A solução que surge desse tipo de situação é a formação de uma aliança mundial para garantir uma renda básica para qualquer um sobreviver, independente das condições externas em que cada um se encontrar. Assim ninguém colocaria em risco a sua sobrevivência por uma questão de sobrevivência.

Em suma:
Estes quatro paradigmas reais nos orientam na busca do que seria desejável para lutar por:

1. Um órgão externo mundial regulador do trabalho seria um bom começo. Assim, toda empresa, em qualquer lugar, seria obrigada a garantir direitos básicos aos seus trabalhadores.

2. A transparência acerca da procedência e a prestação de conta por parte das empresas, dos terceirizados e dos governos que vendem matéria-prima, produtos agrícolas e manufaturados.

3. Liberar a migração de trabalhadores. Assim, quem quisesse poderia ir para onde sua mão de obra é necessária e paga com melhores salários e melhores condições.

4. Um salário-mínimo mundial que garantiria a todo ser humano um ganho básico para sua sobrevivência. Uma vez que ninguém precisaria trabalhar para sobreviver os empregadores teriam que oferecer algo melhor para conseguir mão de obra.

Como conseguir isso?
É claro que é preciso aprofundar, e também aplicar em algum nível, essas propostas para se aumentar a evidência de sua eficácia. Como não há nada de muito inovador nelas, já existe algum movimento em todos esses sentidos. Think tanks como a NEF tentam propor maneiras de regular mercados com base no bem-estar das pessoas. Ongs como a Oxfam advogam pela transparência em transações entre países, bem como selos de Fair Trade (ainda que não pareçam ser eficazes) apontam para uma tentativa de transparência no nível individual. Centros de pesquisa como o CGD mostram estudos que provariam o impacto positivo de uma abertura de fronteiras ao passo que departamentos acadêmicos fazem o mesmo em relação a um salário-mínimo universal. Programas de transferência de renda como a GiveDirectly também atuam de maneira próxima a essa causa corroborando seu potencial de impacto positivo.


Também não é surpresa que o confronto dos modos de pensar tratados tenha gerado propostas que ou pendem para uma agenda liberal (3 e 4) ou para uma social (1 e 2). A meta-conclusão que se retira desse breve passeio é a necessidade de múltiplos pontos de vista e de ambos estarem abertos para discussões em vista de um resultado mais robusto.